29 de julho de 2010

Melhor que Grátis

por Kevin Kelly*

Introdução
Traduzi e reproduzo aqui este texto originalmente publicado no blog de Kevin Kelly, The Technium, no início de 2008, porque não encontrei, até hoje, nenhum que fizesse pergunta mais perspicaz e assustadora sobre a transformação pela qual as indústrias da mídia estão passando: “O que as pessoas estão dispostas a comprar quando as cópias se tornam gratuitas?” E ele ainda nos oferece uma penca de repostas visonárias e profundamente ponderadas. São respostas que inspiram mas, talvez, a pergunta seja ainda mais importante.


A internet é uma máquina copiadora. Em seu nível mais fundamental, ela copia cada ação, cada caractere, cada pensamento que temos enquanto estamos nela montados. Para enviar uma mensagem de um canto a outro da internet, os protocolos de comunicação exigem que a mensagem inteira seja copiada diversas vezes pelo caminho, Empresas de tecnologia ganham muito dinheiro vendendo equipamentos que facilitam o copiar incessante. Cada um dos dados produzidos em qualquer computador está copiado em algum lugar. A economia digital, portanto, corre sobre um rio de cópias. Ao contrário das reproduções em massa da era das máquinas, essas cópias não são apenas baratas, são gratuitas. 

Nossa rede de comunicação digital foi engendrada para que cópias fluam com o mínimo possível de fricção. De fato, as cópias fluem tão livremente que poderíamos pensar na internet como um sistema de super-distribuição no qual, uma vez introduzida a cópia, ela irá fluir pela rede para sempre, como eletricidade num fio supercondutor. Há evidências disso na vida real. Uma vez que qualquer coisa que pode ser copiada entra em contato com a internet, ela será copiada, e essas cópias jamais desaparecem. Até um cachorro sabe que não dá para apagar algo uma vez que fluiu pela internet.

Esse sistema de super-distribuição se tornou a fundação de nossa economia e de nossa riqueza. A duplicação instantânea de dados, idéias e mídia subvenciona todos os principais setores da economia americana, particularmente os envolvidos em exportação – ou seja, aquelas indústrias nas quais os EUA têm vantagem competitiva. A riqueza americana está depositada sobre um grande aparelho que copia constantemente e de maneira promíscua.

Porém, a rodada anterior de riqueza naquela economia foi gerada a partir da venda de cópias preciosas, então o fluxo livre de cópias gratuitas tende a depreciar a ordem estabelecida. Se reproduções de nossos melhores esforços são gratuitas, como podemos continuar? Trocando em miúdos, como se pode ganhar dinheiro vendendo cópias gratuitas?

Hiperlinguagem

Ao migrar do papel para telas e telinhas, palavras e frases sofrem uma metamorfose. Do casulo do texto emerge o hipertexto e a magnitude dessa transformação não deve ser subestimada. Hoje, textos produzidos exclusivamente para serem gravados em papel já nascem limitados. O escriba, ao permitir que sua obra seja confundida com o meio, tolhe seu potencial. Autores, jornalistas, editores e outros artesãos da escrita estão compelidos a reaprender seu ofício. Mas o desafio não precisa ser encarado com temor. Pelo contrário, as enormes possibilidades que se abrem deveriam nos estimular, provocar nosso espírito de descoberta e itensificar a aventura do saber.

Hipertexto é mais do que texto, mais do que a codificação de uma mensagem para ser transmitida e depois recebida num processo linear. O hipertexto vai além, permitindo a criação concomitante de associações não-lineares que transmitem ao leitor não só uma mensagem, mas a própria estrutura do pensamento ou emoção. No hipertexto, as fontes de informação, referência e inspiração acompanham o texto. Aliás, não deveríamos falar em hipertexto e, sim, em hipermídia pois as fontes não precisam se limitar a outros textos ou hipertextos podendo ser também imagens, animações, sons, gráficos, ilustrações ou outras representações audiovisuais. E, na medida em que essas fontes também estejam confecionadas como hipermídia, vêm junto também as fontes das fontes e assim por diante criando um complexo de interconexões que poderia ser caracterizado como uma espécie de consciência coletiva.

28 de julho de 2010

Do álbum à canção

A indústria fonográfica, uma das primeiras da mídia tradicional a ser atingida pelo tsunami web, ilustra com extrema nitidez um dos principais fenômenos provocados pela acensão da internet com canal de distribuição de conteúdo: a desagregação.

Como se pode observar no gráfico abaixo, as vendas de música - sim, vendas, e não downloads ilegais - vêm crescendo de forma acelerada nos últimos anos. O perrengue pelo qual a indústria passa não deve, portanto, ser atribuído à pirataria digital ou à suposta impossibilidade de se cobrar por conteúdo na internet. Ocorre que a unidade básica de consumo da música mudou. No passado, se compravam àlbuns - primeiro no formato LP e depois em CD. Com o surgimento da internet e do MP3, porém, a unidade de consumo escolhida por aclamação dos consumidores passou a ser a canção, a faixa.

Fonte: Tom Silverman, fundador do New Music Seminar


Em outras palavras, uma vez que lhes é oferecida a opção de comprarem faixas individuais ao invés de serem obrigados a adquirir uma coletânea de músicas, a maioria dos consumidores demonstra preferência por esta nova unidade de consumo. E pode-se extraploar que o mesmo ocorre ou ocorrerá com outras formas de conteúdo cuja forma de comercialização analógica é passível desse mesmo tipo de desagregação. Para jornais e revistas, o artigo passa a ser a unidade de consumo e para alguns tipos de livros, é o capítulo.

Saudosistas irão argumentar que a coletividade dos antigos formatos é parte inerente da obra e que tal desagregação é uma afronta à "arte". É uma meia verdade já que muitos desses formatos foram desenvolvidos de forma a atender as imposições de economias de escala que derivam de tecnologias hoje ultrapassadas. E, em última análise, mesmo que tomemos o argumento como fato, a realidade é que a arte tem que se adapatar ao mercado quando está a serviço dos negócios.

Modelos de negócio que trouxeram muitos lucros às empresas produtoras de conteúdo precisam, assim, ser revistos diante dessa nova realidade. A desagregação impõe, sobretudo, a necessidade de se alterar o modelo de produção de conteúdo. A possibilidade de se desenvolver e comercializar unidades de consumo de conteúdo menores e mais baratas demanda reflexão e revisão desde os critérios utilizados para selecionar o conteúdo a ser produzido até às caracteristias finais do produto a ser oferecido ao consumidor. Mas isso é tema para um outro post.