Introdução
Em seu mais recente tratado, publicado na última edição da Smithsonian Magazine, Kevin Kelly, um brilhante pensador da convergência entre tecnologia, mídia e sociedade, narra a evolução da leitura da antiguidade à atualidade e nos oferece sua visão da próxima etapa. Concordando ou não com sua visão, é inevitável extrair do artigo valiosos insights sobre a crescente importância da vinculação entre texto e imagem, da desagregação da informação em unidades mais flexíveis e permeáveis e dos caminhos para engajar os leitores "ativos" do futuro. E, para os que temem pelo futuro das mídias impressas, o texto de Kelly não deixa dúvida que a palavra impessa se tornará cada vez mais relevante. Traduzi** e compartilho aqui mais esse texto do co-fundador da Wired. É um pouco comprido, é verdade, mas vale muito a pena.
Lendo de um jeito completamente diferente
Após o surgimento da imprensa de Gutenberg por volta de 1440, os livros produzidos em massa mudaram a forma como as pessoas liam e escreviam. A tecnologia de impressão expandiu o número de palavras disponíveis (de cerca de 50.000 em Inglês Antigo para um milhão hoje). Mais opções de palavras ampliaram o que podia ser comunicado. Mais opções de meios de comunicação ampliaram os temas sobre os quais se podia escrever. Autores não precisavam mais compor só tomos eruditos. Podiam "desperdiçar" livros baratos para contar histórias de amor (o romance foi inventado em 1740), ou publicar suas memórias, mesmo que não fossem Reis. As pessoas podiam escrever panfletos de oposição ao consenso dominante e, com a impressão barata, suas idéias heterodoxas podiam ganhar influência suficiente para derrubar um rei ou um papa. Com o tempo, o poder dos autores pariu a noção da autoridade e alimentou uma cultura de competência. A perfeição era alcançada "by the book" [expressão em inglês que significa "rigorosamente conforme as regras" mas que se traduz literalmente como “pelo livro”]. Leis foram compiladas em volumes oficiais, contratos foram registrados em papel e nada mais era válido, se não estivesse por escrito. Pintura, música, arquitetura, dança eram todas importantes, mas o coração da cultura ocidental palpitava ao ritmo da virada das páginas de um livro. Em 1910, três em cada quatro cidades nos Estados Unidos com mais de 2.500 moradores contavam com uma biblioteca pública. Nos tornamos um povo do livro.
Hoje, cerca de 4,5 bilhões de telas digitais iluminam nossas vidas. As palavras migraram da polpa de madeira para pixels em computadores, telefones, laptops, consoles de jogos, televisores, outdoors e tablets. Letras já não são fixadas no papel com tinta preta, mas flutuam sobre uma superfície de vidro em um arco-íris de cores tão rápidas quanto um piscar de olhos. Telas preenchem nossos bolsos e pastas, os painéis dos carros, as paredes das salas e dos edifícios. Eles repousam diante de nós quando trabalhamos – independente do que fazemos. Agora, somos um povo da tela. E, claro, estas telas recém-ubíquas mudaram o modo como lemos e escrevemos.