24 de setembro de 2010

De "Mad Men" a "Math Men"

A série Mad Men nos transporta à década de 1960, auge da era industrial e berço da publicidade, do marketing e da mídia modernos. No seriado, o protagonista, Don Draper, é diretor de criação de uma agência de publicidade. As propostas que faz a seus potenciais clientes (veja o vídeo) se destacam no programa. São representação fiel de práticas românticas, porém questionáveis, que caracterizavam nossa indústria naquele período (e que perduram hoje, em alguns círculos). Tanto sua formulação quanto sua exposição eram intuitivas, coerentes, brilhantes e arrebatadoras e, ao mesmo tempo, superficiais, infundadas e sem substância. O resultado, como preconizara o magnata do varejo, John Wanamaker, anos antes, era que "metade do dinheiro gasto com publicidade é desperdiçado, o problema é que não sei qual metade" (frase indevidamente atribuída a David Oglivy). Esse truísmo não se aplicava só à publicidade, mas também ao marketing e à produção de conteúdo de todos os tipos. Não podia ser diferente. Faltavam dados.

A ascensão da internet inaugurou a era dos Math Men. Com uma infinidade dados fluindo de clicks, cookies, beacons e outros tipos de sinalizadores que populam a web, o desperdício de outrora fica cada vez mais difícil de se justificar. O mercado impõe penalidades severas a quem persiste nesse caminho. Relampejos são substituídos por Insights for Search e intuição pela taxa de clicks. Tudo é mensurável e o que ainda não é medido, será em breve. A sigla ROI (return on investment ou "retorno sobre investimento") - tão antiga quanto a frase de Wanamaker - escapou das línguas de banqueiros e financistas e pousou nas de marketeiros e publicitários. Os Don Drapers de nossos tempos são pessoas como Avinash Kaushik, evangelista de analytics do Google, e Joe Zawadzki, fundador da MediaMath (quem inspirou o título deste post). Eles enxergam essa dimensão um pouco melhor que os demais e nos ajudam compreender o desconhecido. A personagem de Mad Men que mais se assemelha a eles é Greta Guttman cujas pesquisas, no enredo da série, acabam quase sempre na lata de lixo do diretor de criação.

A montanha de dados à nossa disposição intimida qualquer um mas, especialmente, àqueles com procedência artística. Quando fui entrevistado por Roberto Civita, antes de ser contratado pela Abril em 1999, ele me perguntou: "você é uma pessoa que sabe calcular ou que sabe escrever?" Implícito na pergunta estava o conceito de que cada um pertence a um lado do espectro. Você é analítico ou é criativo? Hoje, não hesitaria em contestar a premissa (e desconfio que era o que ele - visionário que é e ele mesmo freqüentador dos dois mundos - gostaria de ter ouvido). Se habitar ambos os lados do espéctro era uma exceção, hoje é uma obrigação. Todos, se ainda não a conquistamos, precisamos urgentemente de alfabetização estatística. Há simplesmente informação demais, valiosa e interessante demais para ser ignorada. A análise do comportamento do consumidor, do leitor ou do espectador não é mais uma atividade a ser relegada aos analistas de marketing e esquecida por publicitários e editores. As ferramentas estão ao alcance de todos e cada um deve usá-las para aprimorar seu trabalho. Primeiro, porque não há ninguém melhor do que você para decifrar que aspectos desses dados são mais relevantes para direcionar o seu trabalho. E, também, porque, ao digerir os dados e descobrir as verdades você mesmo, aumenta muito a probabilidade de que as aceite e as deixe lhe influenciar. Comece hoje! Segue algumas orientações básicas para lhe ajudar.

Não se intimide.
Comece a olhar um ou dois indicadores dos seus relatórios. O fato é que há mais deles do que qualquer um é capaz de digerir e aplicar sozinho, então escolha os que achar mais interessantes. Quais? Um dos mais curiosos é o bounce rate ou taxa de rejeições. Como diz Avinash em sua palestra, esse número representa a parcela dos seus visitantes que não encontraram nada, por minimamente interessante que fosse, na sua página para te dar um mísero click. Quem lê o MidiaScopio sabe que sou partidário do time spent, ou tempo no site, como variável chave a ser observada e controlada por quem produz conteúdo. O indicador que você escolher para acompanhar deve depender, sobretudo, do que mais lhe interessa, dos seus objetivos dentro do seu negócio.

Entenda a matemática.
Não estamos falando de trigonometria. A matemática por trás dos indicadores é a do dia-a-dia. Consiste em operações básicas como divisão e multiplicação. É claro que um domínio maior da matemática lhe permitiria fazer análises mais complexas e extrair conclusões menos óbvias dos dados. Mas se você extrair as óbvias já está muito bom. As melhorias mais impactantes que você poderá promover derivam justamente das mensagens mais básicas que seus consumidores lhe mandam por meio de seu comportamento.

Faça perguntas.
"Por que" são as palavras mais importantes em qualquer análise. Por que o time spent no meu site não está aumentando? As estatísticas existem para nos ajudar a responder perguntas de forma objetiva. De nada adiantam se não sabemos que perguntas queremos ter respondidas. Quando sentir que entende bem o que representa a estatística que está acompanhando, aprofunde-se. Pergunte por que e busque a resposta. Ela está lá, nos dados. No fundo, um bom jornalista e um bom analista têm muitas características em comum.

Segmente.
Os usuários que visitam seu site não são um bloco. São indivíduos, cada um com suas características, interesses, paixões e idiosincrasias. Procure entendê-los dessa forma. Nunca se esqueça que são gente como você. Só depois de ter isso frisado na mente, procure identificar comportamentos ou características que alguns grupos deles tenham em comum. Algum grupo tem mais afinidade com seu site, seu produto, seu serviço? De onde vêm? Que páginas esse grupo acessa mais? Que assuntos lhes interessam? Tem um padrão? Se você conseguir identificar algumas dessas características, as próximas perguntas serão: onde encontro mais pessoas como essas e como faço para me conectar com elas?

Experimente.
Uma das melhores qualidades da web é sua maleabilidade. Você pode mudar qualquer coisa em qualquer página e republicá-la no mesmo instante. Por isso, a melhor coisa que você pode fazer como publisher, marketeiro ou publicitário da era digital é aprender a conduzir experimentos. Quer testar se um título ou uma foto funcionam melhor? Dá. Quer saber se esse ou aquele slogan chamam mais atenção ou levam consumidores mais qualificados ao seu site? Dá. Se algo não está indo como você quer, mude e veja o que acontece. O segredo da experimentação é mudar aos poucos. Se você muda tudo de uma vez, não dá pra saber que alteração produziu o resultado. Para os mais ambiciosos, outra opção é fazer testes A/B. Trata-se de mostrar uma página de um jeito para uma parte de seus visitantes, a mesma página um pouco alterada para outros, e medir a diferença. O Google disponibiliza uma ferramenta gratuita chamada Otimizador de Websites que permite a realização de tais experimentos. Incorpore experimentos à sua rotina de trabalho

Web analytics é como fazer exercício. A parte mais difícil é começar. Uma vez que começar a mergulhar nesse universo, não se surpreenda se demorar a emergir. Estatística vicia. Não é a toa que nos encantamos em acompanhar o número de seguidores que temos no Twitter, o número de amigos no Orkut, de contatos no LinkedIn e assim por diante. Publicitários e publishers da época de Don Draper precisavam esperar meses para saber como o público reagiu à suas criações. Nós sabemos em 24 horas ou menos. Web analytics são uma dádiva para nós. Mas, lembre-se: "com grande poder vem grande responsabilidade."

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