21 de setembro de 2010

Eles não pagam por conteúdo. Tem certeza?

"As pessoas não estão dispostas a pagar por conteúdo digital". Essa noção - amplamente disseminada e subscrita por grande parte da indústria de mídia - pode ser a ruína de empresas tradicionais de conteúdo que se esforçam para permanecer relevantes em novos tempos. Não por ser verdadeira - pois não é - mas porque desestimula investimentos imprescindíveis para o sucesso na era digital, tanto em conteúdo como nos serviços associados à sua aquisição e consumo. A suposta avareza dos internautas exonera cultivadores dessa idéia dos imperativos de todo empreendedor: inovar, competir e criar valor. Lhes permite fechar os olhos para a mais provável, porém penosa, realidade de que simplesmente não foram capazes de criar uma proposta de valor que ressoasse com seus consumidores.

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Em 2008, exasperado pela pirataria de sua propriedade intelectual, o desenvolvedor de games inglês, Cliff Harris, fez uma coisa inusitada para criadores de conteúdo: resolveu dialogar com os piratas para entender porque faziam o que faziam. Por que não compravam seus jogos? Em seu relato - equilibrado, esclarecido e despido de preconceito ou orgulho - das respostas que recebeu, deixa claro que, embora haja uma pequena parcela de piratas assumidos que não pagariam por conteúdo em nenhuma hipótese, a maioria estaria, sim, disposta a pagar, ainda que em condições diferentes das que ele vinha propondo. De fato, estimativas conservadoras indicam que consumidores pagaram 16,7 bilhões de dólares para acessar conteúdo digital em 2009 e que esse número crescerá para mais de 36 bilhões até 2014. É uma parcela minúscula dos 600 bilhões de dólares que consumidores gastaram, também em 2009, com assinaturas de TV à cabo, música, filmes, vídeo games, revistas, jornais e livros, segundo estudo da Price Waterhouse Coopers. Ainda assim, representa vários bilhões de dólares a mais que o necessário para refutar completamente a noção de que as pessoas não estão dispostas a pagar por conteúdo online. A pergunta que os joga-toalhas da mídia tradiconal deveriam fazer é: porque as pessoas não estão dispostas a pagar pelo meu conteúdo digital? É isso que precisam perguntar, não aos que hoje pagam por seus produtos analógicos, mas àquelas dezenas de milhares de outros que consomem sua produção pela internet, de graça. Façam como Cliff Harris.

Segue algumas das principais hipóteses a serem testadas junto à legião de consumidores digitais em potencial com a qual a maioria das empresas de mídia já pode contar. Não precisa perguntar diretamente a eles, basta experimentar. Realizar experimentos na web que medem com precisão como seus usuários e consumidores irão reagir a determinadas ofertas é fácil, barato e muito mais objetivo do que perguntar.

Quanto vale o meu conteúdo?
Preço não é uma função de custo ou esforço, mas de valor agregado. E valor é um consenso. O preço de qualquer bem ou serviço não pode ser menor do que o vendedor está disposto a receber nem maior do que o comprador está disposto a pagar (uma obviedade que nem todos enxergam). E, por mais difícil que seja de encarar, o que o consumidor digital está disposto a pagar por grande parte do conteúdo disponibilizado online hoje, quando não for zero, será muito próximo disso. A realidade é que já há centenas de vezes mais conteúdo disponível na rede do que qualquer indivíduo seria capaz de consumir durante uma vida. Ou seja, quanto menos único for um conteúdo, quanto mais comparável a outros - mesmo que diferenciado por uma ordem de grandeza em termos de qualidade -, mais marginal será o valor que alcança no mercado. Há, portanto, dois caminhos (não necessariamente exclusivos): cobrar os centavos que alguns consumidores estarão dispostos a pagar para consumir o que mais lhes atrai daquilo que se produz hoje e investir para desenvolver produtos e serviços de conteúdo únicos e de alto valor agregado pelos quais estarão dispostos a pagar mais.

Tem DRM porque eles copiam ou eles copiam porque tem DRM?
Digital Rights Management, ou DRM, é o termo genérico para todos os artifícios usados por empresas de conteúdo para dificultar a pirataria digital. Há dois problemas com DRM. Primeiro, ele acaba sempre, cedo ou tarde, inutilizado e, com isso, perde o propósito. Além disso - e muito mais grave - os consumidores legítimos de conteúdo digital detestam DRM. Reagem com justa indignação quando tais mecanismos os impedem de fazer uso pleno do conteúdo pelo qual pagaram. Além dos problemas já apontados, o DRM representa um custo de oportunidade: rouba preciosos recursos financeiros, técnicos e humanos de outros projetos. No fim das contas, então, esses sistemas mais prejudicam do que ajudam desenvolvedores de conteúdo. Os piratas, por outro lado, devem gostar. Afinal, graças ao DRM, a usabilidade de produtos ilegais consegue ser superior à dos legítimos.

O que leva mais tempo: pagar por uma cópia legítima ou descobrir e acessar uma pirata?
Conveniência é um valor universal. Sempre gravitamos para o caminho mais fácil e rápido. E comprar conteúdo online, de um modo geral, não é fácil. Pagar online não é fácil. A maioria dos processos de pagamento online exige 3 ou 4 etapas e a digitação de uma grande quantidade de informações pessoais. Em se tratando de comércio eletrônico, o incômodo tem menos impacto já que comprar online continua sendo muito mais conveniente do que a alternativa: se deslocar até a loja para fazer a compra pessoalmente. Mas, em se tratando de conteúdo digital, processos complicados de pagamento podem fazer a diferença em termos da conveniência relativa de se adquirir conteúdo legítimo ou pirata. No universo mobile, 76% do conteúdo consumido é pago comparado com 30% no universo desktop, segundo relatório do Morgan Stanley, porque é muito mais fácil de pagar pelo celular. Com um click, o valor é acresentado à sua conta mensal e o acesso liberado. Se além dele ser grátis, continuar sendo mais rápido e conveniente acessar conteúdo ilegal, dificilmente o consumidor escolherá o caminho mais difícil. Então, se o seu conteúdo está sendo pirateado, não culpe só o consumidor por isso, culpe também a si mesmo.

O conteúdo está ficando cada vez mais segmentado, desenvolvido para atender ao interesse específico de um nicho de pessoas. A mídia de massa, embora ainda forte, está gradualmente definhando. No longo prazo, cada vez menos veículos serão capazes de gerar as audiências enormes necessárias para cobrir seus custos e gerar uma margem de lucro unicamente a partir de receita publicitária. É, portanto, imperativo para a indústria de desenvolvimento de conteúdo profissional descobrir os tipos de conteúdo (e serviços de conteúdo) pelos quais os consumidores estão dispostos a pagar. E também precisam desenvolver operações de distribuição que tornem pagamento e acesso extremanete ágeis e convenientes. A boa notícia é que essas empresas tem muitos recursos e um bom tempo para inventar a pólvora. A má é que gastamos muito tempo quase sem avanços e, por isso, ainda estamos muito longe de realizar esses objetivos.

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