4 de setembro de 2010

Começa a batalha pela TV

No artigo "Hogging the remote", a revista The Economist desta semana especula sobre a disputa que se inicia pela atenção dos telespectadores. De um lado estão empresas de tecnologia como Apple, Amazon, Google-YouTube e Sony que começam a lançar aparelhos e serviços que visam conectar, finalmente, a televisão. De outro, as redes, estúdios de cinema, programadoras e distribuidoras de TV à cabo e por satélite que hoje dominam o espaço.

O que está em jogo são as 158 horas que as pessoas passam por mês em frente à telinha em média. Usei a palavra "telinha" de propósito, logo antes de sugerir que seja definitivamente aposentada por profissionais da mídia. Está mais que ultrapassada, herdada da época em que havia apenas duas telas em nossas vidas: a do cinema e a da TV. Hoje, ela é a mais importante das várias telas em nossa vida entre as quais podem estar, em ordem de tamanho, a do celular, do tablet, e-reader ou netbook, do laptop ou notebook, do desktop, da televisão e do cinema.

Ainda que curto, o artigo da Economist chama atenção para o que será a maior revolução - ou batalha, como preferir - da indústria da mídia em nossos tempos. Afinal, é em frente a ela que as pessoas passam 5 horas por dia em média e, não por coincidência, é nela também que se concentra mais de um terço de toda a receita gerada pela indústria global de mídia e entretenimento. E esse número tende a crescer.

Por que esse movimento só está começando agora? A Economist diz que é resultado da introdução no mercado de televisões equipadas para se concectarem à internet. Na verdade, a raíz dessa tendência está no aumento da penetração de conexões por banda larga nos domicílios. É essa conectividade que permite a transmissão de conteúdo em vídeo pela internet com alta definição e qualidade. Foi só no final de 2008 que penetração de conexões de banda larga ultrapassou 20% dos domicílios dos países membros da OCDE, por exemplo. Trata-se de um número mágico, um indicador de que um segemento é capaz de sustentar indústrias de massa. Até 2015, estima-se que 90% de todo o tráfego da internet será de vídeo. Ou seja, é só agora que a distribuição de conteúdo em vídeo pela internet está atingindo o grau de qualidade necessário para competir em pé de igualdade com os meios tradicionais de distribuição desse tipo de conteúdo, coisa que aconteceu para o conteúdo impresso e em áudio há pelo menos 10 anos.

Seja qual for o estopim, a revolução há de ser fascinante, não só pelo tamanho do bolo mas porque os adversários estão muito mais espertos. As indústrias de cinema e televisão tiveram a oportunidade de assistir de camarote à agonia das indústiras da música e do jornal e, ainda que propensas a cometerem exatamente os mesmos erros, estão mais preparadas e equipadas para jogar o jogo.

Como será este jogo? Pode-se prever que será muito similar às outras rodadas que já assistimos, com os donos do conteúdo de um lado e os da tecnologia do outro, mais competindo que colaborando. É, de certa forma, inevitável que seja assim. Os produtores do melhor conteúdo enxergam a tecnologia, na melhor das hipóteses como investimento e, na maior parte do tempo, como custo. Já para os produtores da tecnologia de distribuição, o conteúdo é mercadoria e os consumidores são volúveis e estão mais do que prontos para migrar para as opções que lhes proporcionam maior valor e conveniência, justamente o que a tecnologia visa proporcionar.

Por outro lado, essa rodada tende a ser mais intricada e fascinante. Afinal, estamos falando de três grandes indústrias - a de televisão aberta, a de televisão paga e a do cinema - sendo que todas as três são muito menos fragmentadas que a indústria do jornal e muito melhor financiadas que a da música. A internet tem algumas vantagens inerentes como meio de distribuição de conteúdo mas as principais são a oferta quase infinita de opções que podem ser acessadas por demanda e a possibilidade de receber e registrar uma infinidade de dados do usuário que permitem a personalização do serviço e da publicidade. As incumbentes, por outro lado, sabem produzir conteúdo de grande apelo e já têm modelos e serviços sólidos para cobrança de taxas dos consumidores bem como para a obtenção de receitas publicitárias. Ou seja, estão com a faca e o queijo na mão. E é por isso também que uma disputa é quase inevitável. As incumbentes acham que só têm a perder e as desafiadoras, que só têm a ganhar. E a colaboração só poderá ocorrer se ambas acreditarem que há oportunidades enormes de ganho que só podem realizar juntas. É pouco porvável.

Para o consumidor, o ideal seria que essas indústrias colaborassem para lhe servir melhor ao invés de disputarem seu tempo. O antagonismo dos jogadores será bancado pelo consumidor em tempo e dinheiro. Para buscar o pacote de ofertas mais adequado às suas sensibilidades, ele passará por um caro processo de tentativa e erro e, quando tiver encontrado um conjunto que lhe serve, aparecerá alguma novidade. Como bem aponta o artigo da Economist, existe hoje, uma excessão à regra. A empresa Netflix que nasceu no mercado de aluguel de filmes com um modelo revolucionário de negócios que derrubou a poderosa Blockbuster, já agregou uma oferta significativa de conteúdo online ao serviço que oferece para seus assinantes. Será ela o David que vencerá a batalha enquanto os Golias brigam entrem si? Que vençam os melhores!

3 comentários:

Ricardo Anderáos disse...

Imperdível sobre o tema é um especial da Economist intitulado "Changing
the channel - A special report on television", publicado em l de maio deste ano. Está disponível para download em PDF no site da revista. Ele reafirma a tese de que a TV assistiu de camarote à derrocada das indústrias fonográfica e de jornais por conta de incapacidade inicial da web em distribuir vídeo de maneira eficiente. Mas diante do crescimento de sites como o YouTube e do advento das IPTVs, estaríamos agora entrando numa fase tão decisiva para a indústria televisiva como foi o final dos anos 90 para jornais e gravadoras...

Rodrigo Velloso disse...

Realmente parece sensancional, Anderáos. O estudo só está disponível para assinantes, mas há cópias flutuando pela net. Quem quiser procure no Google: Economist-TV-Survey-article.pdf. Vou devorá-lo amanhã.

Mauro Segura disse...

Rodrigo. Adorei o post e vou devorar o reporte do The Economist. Abraços. Mauro.