29 de setembro de 2010

Cadê o Engenheiro?

Se você trabalha numa redação, departamento de criação ou qualquer outro ambiente criativo, olhe à sua volta. Tem um engenheiro de sistemas sentado perto de você? Falo de um cientista da computação, de uma pessoa que sabe escrever em linguagens como Java, PHP, Python, Perl, SQL ou Ruby. E aí? Achou? Não, o web designer não conta. Bom, se não tiver alguém com esse perfil trabalhando lado-a-lado com você, a sua organização pode ter um problema.

Muitas empresas ainda estão tratando de desenvolver e aprimorar sistemas e processos para colocar na internet o que já produziam antes dela existir. Acrescenta-se alguns links e um punhado de funcionalidades padrão para o consumidor poder comentar, partcipar de uma enquete, fazer um teste, "tuitar" o link ou clicar sua aprovação por meio do ferramental oferecido por diversas outras redes sociais. Essa máquina de transformar conteúdo analógico em "conteúdo web" pode ser suficiente para entrar no jogo digital, mas não é o suficiente para vencê-lo. É preciso abstrair o legado e começar a se perguntar como contar a melhor história, oferecer a melhor informação ou produzir a melhor mensagem publicitária com todos os recursos de que a internet dispõe. A pergunta é: que necessidades de informação e entretenimento do público poderiam ser melhor atendidas com recursos de programação?

O Engenheiro Criativo
Engenheiros ou desenvolvedores web são o elo perdido (ou, melhor, ainda não encontrado) entre a indústria da mídia e a internet. No mundo analógico, tudo era mais fácil de entender pois se encontrava no plano da física e não da informática; no mundo real, não no virtual. Era fácil distinguir o que o comunicador precisava saber sobre o processo de produção e distribuição de suas mensagens - e o que não precisava - para fazer bem o seu trabalho.

No mundo digital é diferente. Só alguém familiarizado com as linguagens de programação pode mostrar às equipes criativas todo o potencial e capacidade dessa nova forma de contar histórias, e seus limites. E não adianta essa pessoa ficar sentada lá no departamento de TI e ser convocada para executar as idéias da equipe criativa. Ela precisa sentar junto, participar do processo de criação. Design, fotografia, produção e filmagem são sub-disciplinas estabelecidas nas áreas criativas da indústria. A programação precisa se somar a elas com urgência. Além de contribuirem para o desenvolvimento novas linguagens e formatos para a comunicação, esses profissionais podem contribuir para reduzir custos e aumentar a produtividade. Observando os processos de trabalho dos colegas criativos, podem descobrir maneiras de automatizar tarefas repetitivas que consomem tempo e desenvolver ferramentas que auxiliem nas tarefas de pesquisa, apuração e comunicação.


A tendência no jornalismo, na publicidade e no entretenimento
No jornalismo, já é possível destacar alguns pioneiros dessa nova categoria profissional como Aron Pilhofer, do New York Times, Adrian Holovaty, do Washington Post, e Matt Waite, do St. Petersburg Times. Têm títulos curiosos como "Editor de Notícias Interativas", "Tecnologista da Notícia" e "Programador-Jornalista". A falta de um nome para a função não diminui sua importância. Sinal disso são os cursos sendo desenvolvidos por renomadas escolas de jornalismo. A Colombia University, por exemplo, se prepara para lançar, em 2011, um mestrado duplo em jornalismo e ciência da computação. E a Medill School of Journalism da Northwestern University vêm oferecendo bolsas desde 2008 para ensinar jornalismo a programadores.

Na publicidade, a tendência de incorporar profissionais desse tipo às equipes criativas tende a ser mais demorada e menos formal. Em geral, equipes publicitárias trabalham com mensagens mais simples que as do jornalismo, mas que serão muito mais amplamente divulgadas e repetidas. Em outras palavras, a quantidade de recursos criativos por mensagem é maior. E, como o investimento em veiculação é enorme, faz sentido dedicar tempo e dinheiro para contratar profissionais especializados nesse tipo de criação e integrá-los aos projetos. Há, no entanto, casos interessantes como o Google 5, um grupo de cinco profissionais convidados a trabalhar no Google Creative Labs e depois devolvidos ao mercado para levarem a cultura de criação digital para agências e anunciantes.

O entretenimento segue a lógica da publicidade, mas é desse segmento que vem o melhor exemplo atual de estrutura organizacional criativa para a era dgital: a Pixar. O estúdio de cinema tem um histórico impressionante e é um ótimo benchmark para a indústria. Todos os filmes que produziu, sem excessão, tiveram sucesso em maior ou menor grau. Esse sucesso se deve, pelo menos em parte, às raízes de computação gráfica da empresa. É um modelo a ser estudado.

Colocar engenheiros nas áreas criativas de empresas de mídia é um bom começo, mas não basta. É preciso alterar a cultura dessas áreas para garantir que esses desenvolvedores sejam acolhidos e integrados. É fundamental incentivar os líderes dessas áreas a reconhecerem suas atuais limitações e se engajarem em superá-las. Por fim, é essencial assegurar que esses profissionais sejam valorizados, tanto em termos de remuneração, quanto de autoridade, e que tenham liberdade para cumprir seus mandatos. Engenheiros de sistemas e desenvolvedores web estão entre os profissionais mais valorizados do mercado e podem prestar seus serviços para uma enorme variedade de indústrias. A mídia tem a vantagem de oferecer-lhes visbilidade e relevância social, mas liberdade criativa, sentido e propósito também são benefícios essenciais para atraí-los e mantê-los em seus quadros. E dotar essa nova função de tais característas é do interesse das empresas de mídia. Só assim, as criações poderão ultrapassar a barreira dos formatos conhecidos.

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